Poder religioso e trans/sexualidade em "A Confissão" (1979), de Bernardo Santareno
DOI:
https://doi.org/10.21747/21832242/litcomp39a5Palavras-chave:
trans/sexualidade, conservadorismo moral e sociopolítico, Revolução de AbrilResumo
A Confissão, peça publicada em 1979 e levada à cena no ano seguinte pela Seiva-Trupe, do Porto, escassos meses antes da morte de Bernardo Santareno, denuncia o moralismo conservador e hipócrita que continua a imperar no Portugal pós-revolucionário. Através da análise dos diálogos entre o padre-confessor, uma paroquiana humilde e um travesti determinado a levar avante uma cirurgia de reatribuição sexual, observaremos a obsessão totalitária da Igreja em policiar as práticas sexuais dos crentes e assim controlar a sua consciência. Examinaremos a forma como, ao exercer o seu poder sobre os corpos individuais no sentido de os normalizar e submeter, o que a instituição religiosa visa in fine é dominar o próprio corpo social, contribuindo assim para manter uma organização sociopolítica característica do Antigo Regime. Ao contrário da mulher do povo, sem forças para resistir à autorictas religiosa (que a sujeita à violência da dominação masculina), o transexual Françoise, esse, acabará por se emancipar radicalmente, retomando o controlo da sua vida, sem se preocupar com o juízo da sociedade. Note-se entretanto que, embora solidária com as classes trabalhadoras, Françoise apenas recebe delas o desprezo. Vítima dos preconceitos de género não só da elite, que hipocritamente a utiliza para os seus fantasmas sexuais, mas também de outros oprimidos como ela, esta personagem “revolucionária” é, pois, duplamente, traída e marginalizada.