Transfigurações do olhar viajante: Metamorfoses de Jorge de Sena e Manual de Pintura e Caligrafia de José Saramago
Palavras-chave:
Jorge de Sena, José Saramago, poesia, narrativa, ecfrase, memória culturalResumo
Este trabalho examina o fenómeno da ecfrase sob uma perspectiva intergenérica comparada, tomando como objectos de análise Metamorfoses (1963) de Jorge de Sena e Manual de Pintura e Caligrafia (1977) de José Saramago. Embora a recepção de objectos estéticos nestas obras resulte de visitas realizadas por ambos os escritores a museus e monumentos de cidades europeias, os poemas
ecfrásticos de Sena e a prosa ecfrástica de Saramago não são meros exercícios de apreciação estética, mas meditações sobre a historicidade da materialidade humana suscitadas pela contemplação do património museológico e arquitectónico. A ecfrase praticada em Metamorfoses e em Manual de Pintura e Caligrafia provem de uma inquiridora itinerância do olhar que continuamente transfigura a realidade, transgredindo a descriptividade convencional deste recurso retórico. As práticas ecfrásticas de Sena e de Saramago constituem estratégias análogas de questionamento ontológico que interpelam a memória pessoal autobiográfica e a memória cultural colectiva, desempenhando ainda uma função meta-textual ao delinearem a trajectória daquilo que Saramago denomina de ‘viagem de escrever’.